terça-feira, 29 de abril de 2014

Por trás do ídolo Ayrton Senna: Polêmicas em alta velocidade

Inimigos íntimos. Ayrton Senna e Alain Prost em março de 1988, logo depois de se tornarem colegas de equipe na McLaren. Nos seis anos seguintes, os dois seriam protagonistas de uma das maiores rivalidades da história da F-1 (carlos ivan/20-03-1988)

 
Para os fãs, ele era talentoso, apaixonado pela velocidade, obstinado em busca do primeiro lugar. Para alguns rivais, no entanto, Ayrton Senna era mais que um adversário muito acima da média, mas também um piloto capaz de extrapolar os limites da razão em nome da vitória. No início da carreira, o brasileiro vetou a entrada do inglês Derek Warwick na Lotus, em 1986, alegando que a equipe não tinha condições de oferecer carros competitivos a dois pilotos. Já tricampeão, brigou com Eddie Irvine após ríspida discussão sobre uma ultrapassagem do irlandês, então retardatário, no GP do Japão de 1993. Mas nenhum deles se tornou exatamente um desafeto do brasileiro. Na verdade, se o assunto é conflito pessoal, nada chegou sequer perto da dupla Alain Prost e Ayrton Senna, provavelmente os dois maiores rivais da história da F-1.
Quando chegou à McLaren, em 1988, Senna era o jovem promissor que, pela primeira vez, teria um carro à altura para disputar o título mundial. No outro cockpit, estava o Professor, apelido do francês, então bicampeão mundial (1985-1986). Como Senna foi contratado em uma operação conjunta que também tirava da Lotus os motores Honda, Prost logo ficou preocupado com o seu posto de primeiro piloto.
— Pela primeira vez eu vi Alain tenso. Ele havia alcançado o status de número um na equipe e, de repente, havia um jovem que tinha total noção do que era ser competitivo — lembrou o chefe da McLaren, Ron Dennis, em entrevista na sede da equipe, sobre os 20 anos sem Ayrton Senna.
O dirigente tentou de todas as formas convencê-los de que ninguém seria beneficiado na escolha dos motores e no acerto dos carros. Incluindo um inusitado, porém imparcial, cara ou coroa.
— Os engenheiros da Honda diziam: “Estes são os dois motores com que devemos correr.” Então, recorríamos à velha moedinha para sortear quem levava qual motor. Era o jeito mais fácil de garantir que não havia favorecimento — relatou Dennis.
Senna e Prost eram a antítese um do outro. Dentro e fora das pistas. Casado, com um filho de 6 anos — depois, ainda teria mais duas meninas —, o francês tinha um estilo clássico de direção, e sabia administrar resultados para somar o máximo de pontos no campeonato. O brasileiro, solteiro, fazia da F-1 sua família na Europa — era capaz de ficar nos boxes até a noite conversando com engenheiros sobre o acerto do carro, o que incomodava quem via as corridas apenas como profissão. Dentro do carro, Senna era agressivo e determinado a vencer, o único resultado que lhe interessava.
Apesar da disputa árdua pelo título de 1988, conquistado por Senna na penúltima etapa, no Japão, o ano transcorreu sem incidentes graves. Em 1989, porém, os frágeis laços de diplomacia e de convivência se rasgaram de vez quando o francês acusou o brasileiro de trair um pacto de mútua não-agressão em Ímola, no GP de San Marino, ganho pelo brasileiro. O GP do Japão, penúltimo daquele ano, serviria para transformar a rivalidade numa feroz inimizade. Lutando pelo título, os dois terminaram batendo quando Senna tentou ultrapassar Prost na chicane. O francês, que seria o campeão se o brasileiro não pontuasse, não fez o menor esforço para evitar a colisão. Ajudado por fiscais, Senna voltou à prova, cortando a chicane por fora da pista, e venceu o GP, único resultado que lhe manteria ainda na briga pelo título.
Entretanto, enquanto Senna ainda estava na pista, Prost procurou o então presidente da FIA, seu compatriota Jean-Marie Balestre, e acusou o rival de ter desrespeitado a regra que obrigaria o piloto a retornar à pista por onde havia saído. O brasileiro foi desclassificado, e o francês, que já estava de saída da McLaren, contratado pela Ferrari, garantiu o título. O troco de Senna veio no ano seguinte, novamente em Suzuka, no Japão. Líder do campeonato e pole position, Senna reclamou por terem mudado a posição de largada, colocando-o no lado sujo da pista, e como não foi ouvido, decidiu resolver a questão ao seu modo: dividiu a primeira curva com Prost, os dois foram parar na caixa de brita, e Senna garantiu o título com a saída do adversário, na manobra mais controversa da sua carreira.
— Eu lembro de olhar os traçados, os freios, os pedais de acelerador (na telemetria). Não é preciso ser Einstein para imaginar o que aconteceu. Quando ele voltou aos boxes, eu disse: “Estou desapontado com você.” Ele tinha conseguido (o título). Não tinha nada a dizer — comentou Dennis. — Foi um de seus raros momentos de fraqueza. Não acredito que seja algo de que ele ficou particularmente orgulhoso.
O estilo agressivo de Senna gerava críticas. Interpelado pelo escocês Jackie Stewart, tricampeão mundial (1969, 1971 e 1973), em uma entrevista para um programa de TV, Senna se defendeu: “Se você não procura ocupar o espaço vazio (deixado por outro carro), você não é mais um piloto de corridas”. Outro desafeto declarado era o também brasileiro Nelson Piquet, tricampeão em 1981, 1983 e 1987, que levou a disputa para o lado pessoal ao insinuar que Senna era homossexual. A rivalidade entre os dois dividiu o Brasil entre “Sennistas” e “Piquetistas” na ocasião.
Com Prost aposentado, após conquistar o tetra em 1993, os fãs da F-1 já imaginavam a próxima rivalidade. Senna seria, então, o veterano confrontado por um novato talentoso, sedento por glória, o alemão Michael Schumacher. Um duelo que a tragédia em Ímola não deixou se concretizar.
Testemunha dos fatos mais importantes da F-1 nos últimos 40 anos, o jornalista Reginaldo Leme, comentarista da Rede Globo, via com naturalidade as discórdias entre os grandes pilotos. Para ele, defender seus pontos de vista era uma das principais características de Senna.
— Eu me lembro de uma grande polêmica entre ele e o Jackie Stewart, por causa de uma pergunta que ele fez ao Ayrton. Noutra ocasião, ele brigou com o Eddie Irvine. Brigou de mão! Mas os principais desentendimentos foram com Prost e Balestre — relatou Leme. — Ayrton defendia seus pontos de vista a qualquer custo, e era muito difícil fazê-lo pedir desculpas. Mas tudo isso era por causa de sua determinação e de sua personalidade forte. É algo que se via no Schumacher, que se via no Prost e no Piquet, e que se vê no Fernando Alonso. Eles não eram marrentos, mas defendiam seus posicionamentos. A autoconfiança era uma característica de Senna. Ele estava sempre certo.

* Matéria retirada do caderno de esportes do jornal O Globo escrita por Allan Caldas e Claudio Nogueira


 



 

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